Recuperação de IVA de créditos incobráveis e de cobrança duvidosa
A falta de liquidez por parte dos agentes económicos poderá conduzir a um aumento dos casos em que os clientes não terão possibilidade de honrar os compromissos assumidos.
Com a proposta de Orçamento do Estado para 2013 são introduzidas regras para a recuperação do IVA liquidado a clientes. Este poderá ser um procedimento que irá estar em destaque, devido às dificuldades económicas que o país atravessa. A falta de liquidez por parte dos agentes económicos poderá conduzir a um aumento dos casos em que os clientes não terão possibilidade de honrar os compromissos assumidos.
O facto de não se receber de um cliente é por si só penalizador, pois não se arrecada receita. Se a isto acrescentarmos o facto de já ter sido pago/liquidado imposto sobre a quantia não recebida, a situação torna-se ainda mais ingrata e penalizadora. Assim, a possibilidade de se poder regularizar/recuperar o imposto que já foi liquidado poderá ser vista como uma medida bastante positiva.
O que atualmente se encontra previsto num único artigo, o artigo 78.º - Regularizações, do Código do IVA, vai passar a estar regulamentado com o apoio de mais quatro artigos. A proposta de Orçamento do Estado para 2013 adita ao Código do IVA os artigos 78º-A, 78º-B, 78º-C e 78º-D.
Desta forma, as regras de dedutibilidade e regularização destes créditos, para efeitos do IVA, serão para 2013 uniformizadas face às regras de reconhecimento dos créditos de cobrança duvidosa e incobráveis já em vigor para efeitos do IRC.
Créditos incobráveis e de cobrança duvidosa
Estabelece-se, então, uma distinção entre créditos incobráveis e créditos de cobrança duvidosa. Esta distinção é fundamental para que se possa recuperar devidamente o imposto já liquidado.
Os créditos de cobrança duvidosa, evidenciados como tal na contabilidade, são aqueles que apresentem um risco de incobrabilidade devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
– Créditos em mora há mais de seis meses, desde que o valor do mesmo não seja superior a 750 euros, IVA incluído, e o devedor seja um particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito à dedução;
– Créditos em mora há mais de 24 meses desde a data do respetivo vencimento, e relativamente aos quais existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, tendo o ativo sido desreconhecido contabilisticamente.
Os créditos incobráveis passam a incluir, além dos créditos considerados incobráveis em processo de execução e em processo de insolvência, os créditos considerados incobráveis em processo especial de revitalização e os abrangidos pelo Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE) – é eliminada a referência ao extinto procedimento extrajudicial de conciliação.
Para a recuperação do IVA ser possível nos créditos de cobrança duvidosa é necessário que estes respeitem o definido na lei, nomeadamente que estejam em mora há mais de seis meses ou há mais de 24 meses, existam provas objetivas de imparidade e tenham sido feitas diligências para o seu recebimento. Estas diligências devem estar documentalmente comprovadas, sob pena de se inviabilizar o procedimento de regularização do imposto a favor do sujeito passivo.
Para a regularização dos créditos de cobrança duvidosa em mora há mais de 24 meses, devidamente comprovados, torna-se necessário efetuar pedido de autorização prévia à Autoridade Tributária, a apresentar no prazo máximo de seis meses, prevendo-se, ao final de oito meses, indeferimento ou deferimento tácito consoante os créditos sejam, ou não, de valor superior a 150 mil euros, IVA incluído.
No caso dos créditos de cobrança duvidosa em mora há mais de seis meses, de valor não superior a 750 euros, IVA incluído, e o devedor seja um particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito à dedução, e no caso dos créditos considerados incobráveis não existe a necessidade de efetuar um pedido de autorização prévia à Autoridade Tributária, podendo esta controlar posteriormente a pretensão de regularizar o imposto por parte do sujeito passivo.
Atualmente, existe apenas a obrigatoriedade de comunicação ao adquirente do bem ou serviço que fosse um sujeito passivo de imposto, da anulação total ou parcial do imposto, para efeitos da retificação da dedução inicialmente efetuada. Não existia a necessidade de efetuar um pedido prévio à Autoridade Tributária para que se pudesse proceder à regularização do imposto. Este passa a ser um novo procedimento, uma nova burocracia, novos prazos a ter em conta. O pedido deve ser feito, eletronicamente, pelo sujeito passivo, mas cedo se nota que será, em alguns casos, mais uma tarefa para o rol de muitas, a recair sobre o técnico oficial de contas.
Recuperação do IVA e entrega ao Estado
Para 2013, a apresentação deste pedido de autorização vai espoletar a notificação do adquirente para se pronunciar ou regularizar o IVA a favor do Estado, sob pena de ser emitida uma liquidação adicional. O adquirente terá de entregar ao Estado o imposto que deduziu inicialmente e, se não o fizer de forma voluntária, o Estado emite uma liquidação adicional. Com esta liquidação, o Estado precaveu-se da eventualidade de existirem incumprimentos por parte do adquirente, pois não poderá ser lesado.
Em caso de recuperação total ou parcial dos créditos, os sujeitos passivos que tenham procedido à regularização do imposto a seu favor, associado a créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis devem entregar o montante recuperado no período do recebimento, ficando desta feita a dedução do imposto pelo adquirente dependente de pedido de autorização prévia por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira nos mesmos moldes previstos para o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços.
No entanto, verifica-se a impossibilidade de recuperar IVA de créditos de cobrança duvidosa, designadamente nas situações de existência de relações especiais entre o sujeito passivo e o adquirente ou quanto a créditos sobre determinadas entidades públicas.
Os sujeitos passivos também perdem o direito à dedução do imposto respeitante a determinados créditos de cobrança duvidosa sempre que ocorra a transmissão da titularidade desses créditos.
Acresce a estas situações outra que poderá estar na origem da impossibilidade de recuperar o IVA de créditos de cobrança duvidosa: o facto de determinados documentos terem de ser certificados por um revisor oficial de contas (ROC). Ou seja, a fatura relativa ao crédito de cobrança duvidosa, a identificação do adquirente, o valor da fatura e o imposto liquidado, a realização de diligências de cobrança por parte do credor e o insucesso, total ou parcial, de tais diligências, bem como outros elementos que evidenciem a realização das operações em causa, devem encontrar-se documentalmente comprovados e certificados por um ROC.
Esta certificação deve ser efetuada para cada um dos documentos e períodos a que se refere a dedução/regularização e até à correspondente entrega do pedido de autorização prévia à Autoridade Tributária, sob pena deste pedido não se considerar apresentado.
Ora, no que respeita à regularização do imposto em créditos de cobrança duvidosa, o que parecia inicialmente ser um processo "relativamente simples" poderá transformar-se em algo dispendioso, por via da obrigatoriedade de certificação dos documentos por parte de um ROC. Numa entidade obrigada a ter TOC, mas sem a obrigação de certificação legal de contas por parte de um ROC, haverá uma "dupla certificação", uma vez que o TOC, enquanto profissional deve respeitar as normas legais, pugnando pela verdade contabilística e fiscal.
As presentes alterações apenas se aplicam aos créditos vencidos a partir de 1 de janeiro de 2013, aplicando-se a lei atual aos créditos vencidos até essa data, caso a proposta de orçamento do Estado para 2013 seja aprovada com a atual redação.
Artigo redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico
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